quinta-feira, 16 de abril de 2009

TUDO BONS RAPAZES!!

O que infra se reproduz, é o texto integral do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de Maio de 1991, publicado na compilação "Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo" (1991), que se encontra também disponibilizado, contudo apenas em sumário, no site do STA/DGSI.


SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

Acórdão de 16 de Maio de 1991
Assunto:
Fundamentação dos actos administrativos. Insuficiência de fundamentação abstracta ou genérica..Doutrina que dimana da decisão:

1.- A fundamentação dos actos administrativos tem de ser feita em termos concretos, em conformidade com o disposto no artigo l.º e seus números, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.
2. - Enferma de insuficiência de fundamentação o despacho que exonera um director de serviços, com a simples invocação de conveniência, de serviço.Recurso n.º 26 308, em que são recorrente Alberto Bernardes Costa e recorrido o Governador de Macau..

Relator, o Ex.mo Conselheiro Dr. Neto Parra.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo:

Alberto Bernardes Costa, advogado, residente na Rua de Luís Pastor de Macedo, lote 22, 4.º, direito, da cidade de Lisboa, veio interpor recurso do Despacho n.º 83/GM/88 do Governador de Macau, de 20 de Julho de 1988, mediante o qual foi o recorrente exonerado do cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, com efeitos desde 6 de Junho de 1988, com fundamento em vício de violação de lei, desvios de poder e vício de forma, por falta de fundamentação.Na sua resposta, a autoridade recorrida suscitou questões prévias, que foram desatendidas por acórdão de fls. 91 e seguintes, ordenando-se o prosseguimento dos autos..
O recorrente deduziu as suas alegações concluindo:
1. O Despacho n.º 83/GM/88, aqui recorrido, renovou a exoneração do recorrente, que antes fora determinada pelo Despacho n.º 15/SAAJ/ 88, ao abrigo da mesma disposição legal e com os mesmos efeitos no tempo, apenas diferindo os dois actos no que respeita, a exposição de motivos.
2. No despacho recorrido quis-se suprimir a fundamentação que acompanhava o anterior, exarando-se que a exoneração era decretada “ao abrigo do disposto do n.° 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n. 88/84/M, de 11 de Agosto, que considera suficientemente fundamentada a exoneração pela simples conveniência do serviço».
3. O Despacho n.º 15/SAAJ/88 fora proferido no mesmo dia em que o autor do acto recorrido determinara o arquivamento de inquérito, e, invocando factos referidos no respectivo relatório final, motivava a decisão no comportamento do recorrente, sob a alegação de que tal comportamento:1) Afastava de modo grave a confiança pessoal, profissional e politica da tutela;2) “Afecta o prestígio e a dignidade da Administração” e que a exoneração era determinada considerando;3) As responsabilidades do cargo que impõem o seu exercício com total isenção e lealdade.»
4. Sendo um e outro acto proferidos ao abrigo de poder discricionário, e divergindo o segundo do primeiro apenas por ter intencionalmente eliminado a anterior exposição de motivos, e isto com o fundamento de que a lei considera bastante a simples invocação da conveniência de serviço, tal acto, aqui recorrido, ofende o direito de recurso contencioso garantido pelos artigos 18.°, n.º 4, do Estatuto Orgânico de Macau (EOM) e 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
5. Na verdade, sendo a fundamentação um elemento de relevo decisivo, ou do maior relevo, para viabilizar o controlo jurisdicional de actos praticados no exercício de poderes discricionários, alterar por eliminação a fundamentação de um acto anterior, mantendo-lhe todos os demais contornos relevantes, é fundamentalmente actuar sobre a possibilidade de êxito do recorrente, introduzindo dificuldades extraordinária na sua posição.
6. É, aliás, na esfera processual e com este alcance que se exprime e se esgota a eficácia jurídica material do recorrente, nada é alterado no trânsito do primeiro para o segundo acto.
7. Uma decisão administrativa que, no cotejo com outra que a antecedeu, não altera a situação jurídica material por ela criada ao administrado, mas que vem interferir, agravando-as consideravelmente, nas condições de exercício e eficácia do direito de recurso contencioso e na dimensão que é essencial para o controlo jurisdicional de actos praticados no exercício de poder discricionário, ofende a garantia de recurso contencioso constante, quer do artigo 18.° do EOM, quer do artigo 268.°. n.°3, da CRP.
8. Mesmo nas condições de inaceitável dificuldade em que com o segundo acto se quis colocar o recorrente, o contexto em que ele surge e, nomeadamente, o teor de outras decisões que o acompanham, permitem ainda encontrar nele identidade qualitativa fundamental de motivações em relação ao Despacho n.º 15/SAAJ/88, em que se alicerça aqui a arguição de desvio de poder.
9. Do teor deste resulta que o comportamento do recorrente foi nele objecto de censura com base em juízos de valor de sentido disciplinar (isenção, lealdade, prestígio e dignidade da Administração, confiança profissional), o que evidenciava então uma motivação sancionatória para o emprego da faculdade prevista no artigo 7.°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 88/84/M não condizente com os fins previstos pelo legislador, conforme resultam do regime legal da figura.
10. O sentido fundamental da decisão recorrida para o seu autor, conforme se retira da decisão proferida em recurso hierárquico foi o de, suprimindo o que considerava «desnecessário» e «excessivo» na exteriorização do juízo de valor retirado dos factos, manter a aplicação já concretizada, e com referência a estes do disposto no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.° 88/84/M.
11. Assim, o acto recorrido demarca-se do anterior, em ultima análise, apenas na medida em que censura neste uma explicitação de motivos que ele próprio se furta, ou seja, resulta do contexto dos .seus termos a convicção de que o seu autor nada teria sentido na necessidade de modificar no primitivo acto de exoneração, não obstante conhecida a sua concreta motivação, se ele tivesse sido tão omisso quanto a ela como o segundo.
12. Presidindo ao segundo acto aqui impugnado a mesma fundamental motivação que acompanhou o primeiro —ou seja, uma motivação censória e sancionatória de um comportamento, logo não condizente com os fins legalmente assinalados para o uso do poder previsto no n.° 3 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 88/84/M, de 11 de Agosto —, está o mesmo ferido de desvio de poder.
13. Vício que se defende estaria ainda presente se se quisesse entender que a motivação do acto recorrido teria sido apenas a de salvar em qualquer caso a exoneração antes decretada, e desde o momento em que o foi, independentemente dos concretos motivos com que essa actuara: uma pretensão de conservação de anteriores resultados com uma tal indiferença a motivos não seria bastante para, no concreto contexto em causa, tornar o acto obediente aos fins legais, mantendo nele pois uma atenção defeituosa.
14. Admitindo por cautela, que os elementos disponíveis referidos não fosse considerados bastantes para gerar a convicção de que as motivações presentes no acto eram irrecondutíveis aos fins legais, deveria então concluir-se que o mesmo se encontra insuficientemente fundamentado, e em termos inviabilizadores do acesso a respectiva motivação concreta.
15. Acesso contextualmente dificultado, e, por isso, a requerer acrescidamente explicitação de motivos, por na mesma data o Despacho n.° 84/GM/88 (paralelo ao Despacho n.º 83/GM/88,- como o Despacho n.° 16/SAAS/88 o fora em relação ao Despacho n.° 15/SAAS/88) não ter sido acompanhado de idêntica renovação ou aproveitamento de anterior medida exonerativa.
16. Na verdade, com mera invocação da insuficiência da conveniência do serviço, amputa-se a possibilidade de compreensão dos motivos concretos do novo acto, servindo-se presumivelmente para tal fim da cobertura de uma norma, o artigo 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 23/ 85/M. de 23 de Março (a conjugar no caso com o n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.° 88/84/M) que se encontra ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18.º, n.º 4, do EOM e 268.º, n.º 2 e 3, da CR P.
17. Sendo inaplicável, por inconstitucional, aquele normativo, que contraria a obrigação de fundamentar decorrente do ordenamento constitucional, o acto impugnado, por insuficiência equivalente a falta de fundamentação, ofende o disposto no artigo 8.º, n. 1. alínea b), do Decreto-Lei n.º 23/85/M e no artigo 263.°, n.º 2 e 3. da CRP.
18. O actor recorrido viola, além disso, o disposto nos artigos 14, n.º 2, e 15.º do Decreto-Lei n.º 23/85/M, de 23 de Março, e o princípio geral contrário à retroactividade, uma vez que, não se tratando de reforma ou conversão, se dotou de efeitos retroactivos.

A autoridade recorrida limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.

O Ex.mo Procurador – Geral – Adjunto teve vista do processo, emitindo o douto parecer de fl. 131 v.º, que, a seguir, se transcreve:

«A meu ver, o recurso merece provimento por vício de forma por falta de fundamentação suficiente de acordo com os conclusões l4 a 17 das alegações finais do recorrente.
Tendo, como tem, de considerar-se inconstitucional o n.º 3 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.º 88/84/M, de 1l de Agosto (e, bem assim, o n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.° 23/85/M, de 23 de Março), por violação do artigo 268.°, n.º 2, da CRP, na redacção da Lei n.º 1/82, e hoje n.° 3 do mesmo artigo (inconstitucionalidade superveniente), por se bastar com a mera invocação da ‘conveniência de serviço’ — neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Fevereiro de 1983 (recurso n.° 14232), entre muitos outros e, bem assim, o Acórdão do Tribuna] Constitucional n.º 266/87, in Diário da República, 1.ª Série, de 28 de Agosto de 1987, cujos razões, com a devida vénia, dou aqui por reproduzidas, tal norma, que sustentou o despacho recorrido tem e teve-se por inaplicável, sendo, pois, de recusar.
Assim, o despacho recorrido estava obrigado a fundamentação exigida por aqueles imperativos constitucionais e, bem assim, aos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 256-A/77, e n.° l do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 23/85/M.
Carecendo dela, invocou um vício de forma por falta de fundamentação, pelo que:
a) Deve recusar-se a aplicação do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 88/84/M e do n.º 3 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 23/85/M por violação do artigo 268.°, n.° 2, da CRP (versão de 1982) e n. 3 do artigo 268.° da versão actual;
b) Deve dar-se provimento ao recurso, anulando-se o despacho impugnado, n.º 83J/GM/88, do Governador de Macau, por vício de forma por falta de fundamentação.”.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir..
Factos com relevância essencial para o caso dos autos:

1. — Por despacho do Governador de Macau n.° 83-A/GM/87, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau, de 21 de Setembro, o recorrente foi nomeado director do Gabinete dos Assuntos de Justiça.
2. _ Pela Portaria n.º 141/87/M, de 7 de Novembro, foram delegadas pelo Governador de Macau no Secretário Adjunto para a Administração e Justiça (SAAJ) as suas competências próprias no que se refere a atribuições executivas relativamente ao Gabinete dos Assuntos de Justiça (GAJ).
3 —Mediante despacho n.º 31/SAAJ/87, de 7 de Novembro, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 44. dessa data, o SAAJ subdelegou no recorrente, director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, uma parte das competências respeitantes a este serviço, que lhe haviam sido delegadas pelo Governador de Macau.
4— Em comunicado de 7 de Maio de 1988 da Gabinete de Comunicação Social, o Governador de Macau, sob proposta do Secretário Adjunto para a Administração da Justiça e precedendo participação do juiz de instrução criminal, Dr. José Manuel Celeiro — em que este referia ter sido abordado pelo director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, aqui recorrente, e pelo chefe de departamento do mesmo Gabinete, Dr. Joaquim Rebelo dos Reis Lamego, para obterem informações respeitantes ao processo instaurado contra os Drs. António Ribeiro e Leonel Mirando, administradores da extinga TDM-E. P-, detidos em prisão preventiva, em termos considerados como indevida interferência e pressão na sua função judicial —, determinou a abertura de um inquérito a comportamentos implicados naquela participação às pessoas do director do Gabinete de Justiça, Dr. Alberto Bernardes Costa, e do chefe do Gabinete Técnico daquele serviço, Dr. António Rebelo dos Reis Lamego.
5 — No dia 9 de Maio de 1988, o SAAJ proferiu o Despacho n.° 16-I/ SAAJ/88, através do qual operou, ao abrigo do n.º 3 do Despacho n.º 31/SAAJ787, «a avocação de todos os assuntos e casos» que coubessem no âmbito dos poderes subdelegados pelo mencionado despacho e determinou que o director do GAJ passasse a «remeter, por escrito, ao seu Gabinete rodos os assuntos e casos que carecessem de despacho».
6 — No mesmo dia, o SAAJ proferiu o despacho n.° 12/SAAJ/S8, publicada em suplemento ao Boletim Oficial de Macau, de 9 de Maio, revogando o próprio Despacho n.° 3l/SAAJ/87, de 7 de Novembro, pelo qual havia subdelegado competência no director do Gabinete dos Assuntos de Justiça.
7 — No dia 21 de Maio de 1988 o procurador – geral - adjunto, que havia procedido ao referido inquérito, apresentou ao Governador de Macau o respectivo relatório, propondo o arquivamento dos autos.
8 — Em 4 de Junho de 1988 o Governador de Macau exarou nos autos de inquérito o seguinte despacho:«Tendo em conta os factos descritos no presente relatório, bem como os conclusões do Ex.mo Sr. Inquiridor, concordo que os mesmos não justificam procedimento disciplinar, quer quanto ao Dr. António Lamego, quer quanto ao Dr. Alberto Costa, pelo que determino que os presentes autos de inquérito seja arquivados».
9 — Com a data de 4 de Junho de 1988, foi proferido pelo SAAJ, no uso da delegação de competência conferida pela Portaria n.° 141/87/M, de 7 de Novembro, o Despacho n.º 15/SAAJ/88, a seguir reproduzido:

«Considerando que o licenciado Alberto Bernardes Costa, director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, interveio junto do M.mo Juiz de instrução criminal Dr. José Manuel Celeiro Patrocínio, a quem fora distribuído o processo crime, em fase de instrução preparatória, instaurado contra os administradores da TDM-E. P: /S. A. R. L., detidos cm prisão preventiva sem culpa formada na Cadeia Central de Macau, no sentido de o elucidar sobre os aspectos técnico-jurídicos e económicos do caso, e esclarecimentos que, em seu entender justificariam uma revisão da sua decisão ou decisões sobre a situação prisional dos arguidos e, eventualmente a sua cessação e subsequente soltura;
Considerando que o director do Gabinete dos Assuntos de Justiça intencionalmente manteve a respectiva tutela no total desconhecimento daquela sua iniciativa e dos respectivos resultados, os quais estiveram na origem de uma participação apresentada por aquele Mmo Juiz;
Considerando que o referida comportamento do – licenciado Alberto Bernardes Costa, independentemente da valoração disciplinar que pudesse vir a merecer, manifestamente afastada de modo grave a confiança pessoal; profissional e política da tutela no mesmo, não podendo deixar de afectar o prestígio e dignidade da Administração;
Considerando, por fim, as responsabilidades do cargo, que impõem o seu exercício com total isenção e lealdade;

Nestes termos determino:

No uso da delegação de competência conferida pela Portaria n.º 141/87/M de 7 de Novembro, e ao abrigo do dísposto no n. 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n. 88/84/M, de 11 de Agosto, exonero o licenciado Alberto Bernardes Costa do cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, com efeitos imediatos.»
10 — De tal acto foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
11 - Por despacho do Governador de Macau n.° 82/GM/88, de 20 de Julho, publicado no 2.° suplemento ao Boletim Oficial de Macau, de 21 de Julho de 1988, foi revogado, com efeitos a partir de 6 de Junho de 1988, o Despacho n.º 15/SAAJ/88.
12 — Na mesma data com publicação no mesmo suplemento, o recorrente foi exonerado do cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, por Despacho n.° 83/GM /88 do Governador de Macau, nos termos agora transcritos:
«No uso da competência conferida pelo artigo 15.°, n.° 2, do EOM e ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.° 88/84/M, de 1l de Agosto, que considera suficientemente fundamentada a exoneração pela simples conveniência de serviço, exonero o licenciado Alberto Bernardes Costa do cargo de director do Gabinete para os Assuntos da Justiça, com efeitos desde 6 de Junho de 1988.».
Como decorre dos elementos de facto dados como provados, o recorrente foi nomeado director do Gabinete dos Assuntos de Justiça de Macau, por despacho de 21 de Setembro de 1987 do respectivo Governador, que, mediante portaria de 7 de Novembro ao mesmo ano, delegou no Secretário Adjunto para a Administração e Justiça (SAAT) as suas competências próprias, no que se refere a atribuições executivas relativamente ao Gabinete para cuja direcção havia sido nomeado –o recorrente.
Sob proposta do referido Secretário Adjunto —precedendo participação do juiz de instrução criminal Dr. José Manuel Celeiro Patrocínio, em serviço em Macau, a quem tinha sido distribuído, o processo crime movido contra os Drs. António Ribeiro e Leonel Miranda, Administradores da extinta DTM —E. P-, ao tempo detidos em regime de prisão preventiva a ordem daquele magistrado, participação em que denunciara o facto de ter sido abordado pelo director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, Dr. Alberto Bernardes Gosta, ora recorrente, e pelo chefe de departamento do mesmo Gabinete, Dr. Joaquim Rebelo dos Reis Lamego, para obterem informações relativamente ao aludido processo e para o procurar convencer a alterar a sua posição assumida nos autos quanto à situação de prisão preventiva dos mencionados arguidos, o que foi considerado como indevida interferência e pressão na sua função judicial —, sob proposta do referido Secretário de Estado, dizíamos, o Governador de Macau determinou a abertura de um inquérito ao comportamento do recorrente e do Dr. António Lamego, inquérito que, na sequência de parecer do procurador -geral- adjunto que ao mesmo procedeu, veio a ser arquivado, por despacho do próprio Governador, de 4 de Junho de 1988, com o fundamento de não se justificar procedimento disciplinar.
Na mesma data, o Secretário Adjunto para a Administração da Justiça, no uso de delegação de competência, exonerava o recorrente do cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça com efeitos imediatos, por despacho publicado em suplemento ao Boletim Oficial de Macau, de 6 de Junho de 1988, impugnado contenciosamente pelo ora recorrente, e, posteriormente revogado por despacho do Governador, de 20 de Julho de 1988, com efeitos a partir de 6 de Junho desse ano, para, na mesma data (20- de Julho de 1988) 0 recorrente ser de novo exonerado do referido cargo, por despacho do Governador de Macau, com efeitos desde 6 de Junho de 1988.
Desatendidas por acórdão proferido a. fl. 91 dos autos as questões prévias que se prendiam com a legitimidade do recorrente, por invocada aceitação tácita do acto impugnado, e com a irrecorribilidade do acto aqui impugnado, por se dizer confirmativo do despacho de exoneração da autoria do Secretário Adjunto, importa, neste momento proceder à apreciação dos vícios alegados, começando pelo vício de forma por falta de fundamentação, uma vez que em qualquer dos vícios invocados estará cm jogo a exposição dos motivos do acto e, por outro lado, o vício de forma envolve a apreciação do problema da inconstitucionalidade de norma que lhe está subjacente..
O acto recorrido nos presentes autos refere textualmente:
«No uso da competência conferida pelo artigo 15.°, n.° 2. do EOM e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.° 88/84, de 11 Agosto, que considera suficientemente fundamentada a exoneração pela simples conveniência de serviço, exonero o licenciado Alberto Bernardes Costa do cargo de director do Gabinete para os Assuntos de Justiça, com efeitos desde 6 de Junho de 1988.»
De facto, nos termos do disposto no artigo 7.º e seus n,ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 88/84/M, de 11 de Agosto, determina-se que a forma de provimento do pessoal de direcção é a nomeação em comissão de serviço (n.° l), podendo a comissão de serviço dos directores, subdirectores e adjuntos ser dada por finda a todo o tempo, por conveniência de serviço, mediante despacho do Governador (n.° 3).Com a publicação do Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho, resultaram «reforçadas de modo expressivo as garantias de legalidade administrativa e os direitos individuais perante a Administração».
Enumerando-se nas diversas alíneas do seu n.º l os actos administrativos sujeitos a fundamentação, refere o n.º 2 da mesma disposição legal que a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto, sendo equivalente à falta de fundamentação, conforme se dispõe no n.° 3, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Por sua vez, a Decreto-Lei n.º 23/85/M, de 23 de Março, dispondo sobre o regime jurídico dos actos administrativos no território de Macau estabelece no seu artigo 8.° os termos em que é exigida a fundamentação do acto administrativo, referindo-se no seu n.º 3 que os actos de transferência, exoneração ou rescisão de contratos de funcionários ou agentes da Administração, quando praticados legalmente no uso de poderes discricionários, independentemente de qualquer ilícito disciplinar, se refiram a funcionários nomeados ou agentes contratados discricionariamente, consideram-se suficientemente fundamentados pela invocação da conveniência de serviço.
Deste modo, tanto o Decreto-Lei n.° 23/85/M, como o Decreto-Lei n.° 88/84/M, ao consentirem que os tipos de actos previstos, respectivamente, nos seus artigos 8.°, n.° 3, e 7.°, n.º 3, possam ser fundamentados com a simples invocação de conveniência de serviço, contrariam frontalmente a norma do artigo 268.°, n.º 2, da lei fundamental, na redacção da Lei n.° 1/82 (hoje inserida no n.º 3 desse mesmo artigo) e frustram radicalmente os princípios consagrados no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Julho, por se bastarem com a mera invocação da conveniência de serviço, como vem referido no douto parecer de fl. 131 do Ex.mo Magistrado do Ministério Público e é entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (v., entre outros, acórdão de 3 de Fevereiro de 1983).
O ordenamento legal estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 256-A/77, quanto à fundamentação do acto administrativo, veio a ser objecto de explicitação operada através do Decreto-Lei n.º 356/79, de 3l de Agosto, diploma que se atribuiu, no seu artigo 2.º, função interpretativa daquele Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho.
Embora revogado pelo Decreto-Lei n.º 502-E/79, de 22 de Dezembro, o Decreto-Lei n.° 356/79, acima referenciado, foi, porém, reposto em vigor pelo Decreto-Lei n.° 1O-A/80.
Importa, todavia, considerar que o Decreto-Lei n.° 356/79, a que vimos aludindo, ao referir que os actos nele previstos podem ser fundamentados com a simples invocação de conveniência de serviço, veio dispor sobre matéria que respeita ao exercício de um direito constitucionalmente garantido, donde a sua inconstitucionalidade, de resto, já declarada por decisão do Tribunal Constitucional, com força geral (v. acórdãos n.º 1990/85 e 226/87 do Tribunal Constitucional).
Daí que se imponha a desaplicação das normas a que se alude nos presentes, autos, quanto ao problema da fundamentação do acto recorrido - n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 23/85/M e n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.° 88/84/M.É, pois, imperativo legal a fundamentação concreta dos actos administrativos, resultando insuficientes, para o efeito, referências ou expressões vagas e abstractas, pelo que o despacho impugnado nos autos, tendo subjacente apenas a invocação de conveniência de serviço, padece de vício de forma.
Pelo exposto, considerando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios alegados nos autos, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o acto recorrido, com fundamento em vício de forma, por falta de fundamentação.

Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 16 de Maio de 1991. — António Bernardino Neto Parra (relator) - Alberto Manuel de Sequeira Leão Sampaio da Nóvoa —José Manuel de Moura Pires Machado. — Fui presente, Gouveia e Melo).

TUDO BONS RAPAZES!! 2


Entrevista de Dr. José António Barreirosa "O Independente", 28.10.2005.

José António Barreiros. O Advogado José António Barreiros quebra um silêncio de 16 anos e aceita falar sobre como demitiu, em Macau, o actual ministro da Justiça, na sequência de tentativas de pressão sobre um juiz feitas por Alberto Costa.

«QUISERAM PARA MINISTRO QUEM EU NÃO QUIS PARA DIRECTOR DE SERVIÇOS»


Qual a razão verdadeira por que demitiu Alberto Costa em 1988 do cargo que ele desempenhava em Macau. director dos Assuntos de Justiça?
A razão verdadeira é a que está escrita. Achei que estava quebrada a confiança pessoal, profissional e política na pessoa dele e que a Administração Pública de Macau não podia conviver com um tal dirigente, que tinha tido uma "conduta imprópria" como a dele. Isto mesmo face aos critérios de Macau.
Mas o governador Carlos Melancia revogou o seu despacho.
É verdade, mas não na parte em que o demitia, só na parte em que eu dizia por qy.e o tinha demitido. Foi uma situação única, caricata, mas sintomática. O governador parecia incomodado com o que eu dizia no despacho de demissão. Mas o que eu escrevi na fundamentação do meu despacho foi a mera cópia do que concluiu o inquérito disciplinar que ele próprio mandou instaurar: que Alberto Costa tinha contactado o juiz, à revelia da tutela, alegadamente para o elucidar sobre os aspectos técnico-jurídicos e económicos do caso; e esclarecimentos que, em seu entender, justificariam uma revisão da sua decisão ou decisões sobre a situação prisional dos arguidos e, eventualmente, a sua cessação e subsequente soltura.
E porque haveria o governador de estar incomodado, a ponto de se dar ao trabalho de revogar a fundamentação do seu despacho, mesmo não revogando o despacho?
É uma longa história. Mas uma coisa boa resultou para Alberto Costa desta actuação bizarra do governador: que ele, recorrendo para os tribunais administrativos do despacho do governador, que o demitia sem fundamentação, ganhasse a causa, com razão, e fosse contemplado com uma lauta indemnização. Bem lhe pode agradecer.
Mas de que história se tratava?
A história que toda a gente veio a conhecer e com a qual ninguém se incomodou: o processo em causa desembocava, então, nos meandros da aquisição pela empresa Emaudio de uma participação no milionário negócio da televisão de Macau. Ora, se pensarmos em quem eram os sócios da Emaudio, os interessados e os beneficiários no negócio...
E quem são?
Não me peça pormenores. Tudo isso faz parte de uma história a que ninguém quis ligar, em que todos, hipocritamente, viraram a cara para o lado. Digamos, o senhor Robert Maxwell, que está sepultado no Monte das Oliveiras, em Israel, e os seus amigos portugueses. Grandes amigos e amigos grandes.
Envolvendo...Envolvendo quem estava no negócio e todos aqueles que tinham a obrigação de se terem preocupado com essas e outras questões que vieram a seguir e que as deixaram passar em claro, mesmo quando foram escândalo público. Eles estão aí.
Acha que Alberto Costa estava ao serviço desses interesses?
Não tenho que achar o que ninguém achou. Ele disse que tinha ido falar com o juiz para esclarecimento técnico-jurídico recíproco, a nível académico, e sobretudo face a "perplexidades" de amigos dele, um dos quais, segundo ele denunciou, assessor da Presidência da República. Pelo que, no seu entender, tudo se passou numa basé de amizade, confiança pessoal, etc.
Mas o juiz não considerou isso...
Pelo menos na manhã seguinte queixou-se por escrito, por envolver um funcionário sob minha tutela. E tinha Costa ido, por duas vezes, como cidadão ou como director, falar com o juiz - não foi falar com um amigo mas sim com um juiz em funções - por causa de um processo-crime a seu cargo em que havia duas pessoas presas preventivamente. Aliás, o juiz não era amigo dele. Ele é que vinha por causa das "perplexidades" dos seus próprios "amigos". Enfim, eis uma curiosa maneira de considerar a magistratura: considerar nonnal que um dirigente da administração pública fale com juízes com processos com presos a cargo, para os fazer rever decisões nesses processos e depois dizer que isso foi feito a nível académico e a título particular. E foi isto o que sucedeu.
Abandonou o PS por causa do caso Alberto Costa?
Sim. Escrevi uma carta a Vítor Constâncio, então secretário-geral, a relatar o que vi em Macau e, ao regressar, onde andavam muitos socialistas e ao que andavam. Nem tive resposta. Ou melhor: o chefe de gabinete dele respondeu-me a dizer que o PS "nada tinha a ver com Macau"! Hilariante.
E o PS tinha a ver com isso?
Não sei se deva confundir o PS com os negócios, os interesses e as ambições de certas pessoas, por mais bem colocadas que estivessem dentro do partido. O PS foi, aliás, o único partido em que estive, inscrito em 1974 por proposta de Francisco Salgado Zenha. Desde que saí não voltei nem voltarei a qualquer partido. Concorri a Sintra pelo PSD, mas como independente. E hoje estou a anos-luz da política e destes políticos.
Mas ficou agastado com a história...
Não tinha que ficar. A consequência directa de ter demitido Alberto Costa foi ser demitido pelo Presidente da República, Mário Soares, alegadamente a meu pedido. É verdade que foi a pedido: não queria continuar. Mas é também verdade que já ninguém me queria ali. Cada um de nós foi - desculpe o óbvio igual a si próprio. E não pense que tive orgulho no que fiz. Tive vergonha de ter de conviver com isto e de assistir ao que se seguiu.
Mas o que se passou na realidade?
O inquérito disciplinar mandado instaurar pelo governador considerou que a conduta de Alberto Costa não integrava uma "pressão sobre magistrado", de onde não era fonte de responsabilidade disciplinar ou criminal mas uma simples "conduta imprópria" da parte dele. Garo que o hoje ministro tenta desvalorizar a conclusão do inquérito dizendo que é uma simples" opinião". Isto na parte em que diz ter sido uma conduta imprópria da sua parte, porque quanto ao resto - o não ser infi-acção disciplinar - já acha que é o seu certificado de boa conduta. Do que ninguém se livra é dos factos.
Surpreende-o vê-lo agora ministro da Justiça?
Já poucas coisas me surpreendem. Mas, ao ter visto na altura que no rol de testemunhas de Alberto Costa no processo disciplinar estavam Jorge Sampaio, Jorge Coelho, Jaime Gama e António Vitorino, percebi logo o que ainda hoje entendo muito bem: aquele rapaz tinha futuro na política. Um grande futuro.
Mas eram testemunhas abonatórias...
Claro, e numa fase em que o processo nem sequer acusação tinha. Eram pessoas que, segundo ele, podiam testemunhar o seu "perfil moral, profissional e cívico". Por isso indicou também dois juízes e um procurador-geral-adjunto.
Quem?
Acha que isso interessa?.. Note, eu não quero confundir. Uma coisa são os amigos "perplexos" do dr. Costa, por causa dos quais ele foi falar com o juiz, outra as pessoas que se prestaram a ser citadas como testemunhas de carácter. Houve quem me escrevesse depois a explicar-se, alegando que não sabia ao que ia. Felizmente guardo tudo em lugar seguro, o pior dos quais ainda é a minha memória.
Seja franco. Pensa que ele tem perfil para ser ministro da Justiça?
Quiseram para ministro quem eu não quis para director de serviços. São critérios. Mas o problema não é ele ser ministro agora. O problema é ele ter sido deputado, ministro da Administração Interna e sei lá mais o quê. Acho que quem permite isso e com isso coexiste que responda. Eu respeitei-me, demitindo-o. Ponto final.
Não pensa que isto está agora a ser agitado por causa da greve dos magistrados?
Não imagino o seu jornal ao serviço dos grevistas... Acho que isto preocupa muitos magistrados, o saberem o currículo do ministro que lhes coube desta, embora alguns "quadros" tenham uma postura mais complacente...
Está a referir-se a quem?
Aos que gostam, a nível sindical, de negociar com dirigentes fracos ou enfraquecidos. Esses, quando dialogam com o poder, fingem ignorar os defeitos e exaltam mesmo discretamente alguma virtude, na mira do melhor para as suas reivindicações...
Isto aconteceu há muito tempo...
Isso de Macau, pois a complacência com a criatura é de hoje. Pois foi. Aliás, curiosamente, no "site" do Ministério da Justiça, S. Exa. omite esta sua função de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça em Macau, de que o demiti. No "site" do PS é que vem esta parte do seu currículo. Muito interessante, não acha?
Posso perguntar-lhe por que motivo aceitou falar agora?
Porque, finalmente, a nível dos factos, se sabe agora tudo - e está tudo documentado -, para que quem quiser julgar julgue por si. A revelação do acórdão do Tribunal Administrativo é o ponto final. Nada fica à mercê de especulações. Percebe-se enfim quem é quem. Alberto Costa escreveu um dia um livro a que chamou "Esta não é a Minha Polícia". Eu, que ando pelos corredores da Justiça, posso dizer: este não é o meu ministro. Só que sei porquê - e explico. Neste momento talvez seja uma boa altura para se explicar. Talvez haja quem, finalmente, queira ouvir pelo menos parte da história. Não é que algo mude. É só para não fazerem de conta.